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Teresa Lencastre

A Greenpeace corre o risco de falir?

17 Mar 2025 - 10:00
A Greenpeace enfrenta uma ação judicial nos Estados Unidos que, segundo várias notícias, pode levá-la à falência. A recém-aberta Greenpeace Portugal garante que apenas a delegação americana pode ser afetada e que “o escritório português não corre riscos financeiros”. Ainda assim, diz-se “extremamente preocupada” com o processo, por ameaçar direitos fundamentais. Em causa está o envolvimento da organização em protestos contra um oleoduto, há quase uma década.

Para perceber o caso – que começou a ser julgado a 24 de fevereiro de 2025, com uma duração prevista de cinco semanas – é preciso recuar a 2016. À data, a petrolífera Energy Transfer obteve autorizações para construir o oleoduto Dakota Access Pipeline, na Dakota do Norte. O projeto gerou forte oposição de tribos Sioux, que alertaram para o risco de contaminação da água na reserva de Standing Rock e para a violação de terras sagradas.

A Greenpeace esteve entre as várias entidades que apoiaram a vaga de manifestações que se seguiu, recorda Toni Melajoki Roseiro, diretor da recém-inaugurada Greenpeace Portugal: “Estes protestos foram liderados por estas tribos, e a Greenpeace, juntamente com muitas outras organizações, mostrou o seu apoio.”

A contestação ao oleoduto atraiu grande atenção mediática, impulsionada por figuras públicas e campanhas nas redes sociais. Durante meses, milhares de pessoas acamparam perto da reserva, enquanto líderes tribais tentavam travar o projeto na justiça, sob o lema “Água é Vida”. Os protestos foram descritos como a maior mobilização de indígenas americanos das últimas décadas.

“Água é Vida” tornou-se slogan do movimento indígena contra o oleoduto. (foto: @PlanetNoun/X)

A resistência, marcada por confrontos entre manifestantes e forças de segurança, levou a Energy Transfer a denunciar prejuízos em equipamentos e dificuldades de financiamento. Por outro lado, manifestantes acusaram as autoridades de recorrerem a táticas agressivas, como gás lacrimogéneo, canhões de água e balas de borracha. O Gabinete dos Direitos Humanos das Nações Unidas chegou a condenar o “uso excessivo da força contra os manifestantes”.

Ainda em 2016, a administração Obama decidiu suspender a construção, citando a necessidade de mais consultas. “A magnitude [dos protestos] levou o então Presidente Obama a parar a construção do gasoduto e é neste contexto que a Energy Transfer abriu o seu primeiro processo contra o Greenpeace dos EUA, que foi rejeitado por um juiz local”, explica Toni Melajoki Roseiro.

A chegada de Donald Trump à Casa Branca, em 2017, mudou o rumo da disputa. Apesar da resistência, o oleoduto foi concluído e entrou em funcionamento nesse ano, embora as aprovações finais ainda estejam pendentes, escreve o The New York Times.

“Após a tomada de posse de Donald Trump como Presidente, foi emitida uma ordem executiva que orientava a continuação dos trabalhos no gasoduto. De notar que o CEO da Energy Transfer é um grande doador para a campanha presidencial de Trump”, adianta o diretor da Greenpeace Portugal, referindo-se aos dois mandatos.

Manifestações decorreram em várias partes do mundo em solidariedade aos protestos contra o oleoduto. (foto: Fibonacci Blue/Flickr)

Depois de uma primeira tentativa infrutífera, a Energy Transfer voltou à carga em 2019, levando desta vez o caso ao tribunal estadual do Dakota do Norte. Esse processo, que envolve a Greenpeace EUA, a Greenpeace International e outras entidades, é o que está agora a ser julgado.

Na versão mais recente da queixa, a empresa acusa os réus de invasão de propriedade, difamação, conspiração e interferência ilícita nos negócios. Alega que a Greenpeace divulgou informações falsas que incentivaram os protestos e comprometeram gravemente a sua capacidade de operar.

“Esta ação resulta do esquema ilegal e violento dos réus para causar danos financeiros à Energy Transfer, prejudicar fisicamente os seus funcionários e infraestruturas, e perturbar e impedir a construção do oleoduto Dakota Access Pipeline”, lê-se na queixa apresentada pela petrolífera.

No arranque do julgamento, vários órgãos de comunicação social noticiaram que a Greenpeace poderia abrir falência caso perdesse o processo, citando a própria organização. De facto, ainda antes de o julgamento começar, a Greenpeace USA alertou para uma possível “ruína financeira” caso fosse condenada a pagar a indemnização exigida pela petrolífera, estimada em 300 milhões de dólares.

Além da Greenpeace, várias organizações e figuras políticas juntaram-se ao protesto, incluindo Bernie Sanders e o movimento Black Lives Matter. (Foto: @OLBLightBrigade/X)

Face aos relatos de falência, o diretor da Greenpeace Portugal reforça que não é a organização como um todo que está em perigo, mas apenas o escritório americano. Além disso, a recém-inaugurada delegação em Portugal “não corre riscos financeiros”.

“Do lado económico, apenas o escritório dos EUA sofrerá um impacto direto. A nível geral, haverá certamente impacto, uma vez que se trata de uma organização global e o que acontece a uma delas afeta todas, mas não contemplamos um cenário de falência da organização internacional”, assegura.

Apesar do impacto financeiro circunscrito à Greenpeace americana, Toni Melajoki Roseiro alerta que o processo pode ter repercussões alargadas, ao criar um precedente que fragiliza direitos fundamentais – como a liberdade de expressão e o direito de protesto.

“Tal como os restantes escritórios da Greenpeace, o escritório português está extremamente preocupado com o que está a acontecer, não só nos EUA, mas também na própria Europa. Estamos num contexto de limitações aos direitos fundamentais e, especialmente, ao direito de protesto. O que acontece nos EUA não se manterá apenas a nível regional, mas afetará toda a organização.”

Contestação ao oleoduto atraiu grande atenção mediática, impulsionada por figuras públicas e campanhas nas redes sociais, sob a hashtag #NoDAPL. (Foto: @ChuckModi1/X)

Quanto ao desfecho do caso, o diretor da Greenpeace Portugal sublinha que é impossível prever qual será o veredicto do júri. Acrescenta que, até ao momento, a Energy Transfer tem demonstrado interesse em encurtar os tempos processuais, tendo reduzido o tempo inicialmente previsto para a apresentação dos seus argumentos.

Já a Greenpeace dos EUA diz estar a ser alvo de uma ação judicial estratégica contra a participação pública, mais conhecida por SLAPP (Strategic Lawsuit. Against Public Participation). Acrescenta que as alegações da Energy Transfer são infundadas e que este é “um teste crítico do futuro da Primeira Emenda”, sob a administração Trump.

Paralelamente, a Greenpeace International apresentou no mês passado uma ação judicial contra a Energy Transfer num tribunal holandês, considerando-o o primeiro teste à nova diretiva anti-SLAPP da União Europeia.