Em 2020, somente 42% da energia consumida foi também produzida na União Europeia. A Rússia era – e continua a ser – a principal exportadora das duas maiores fontes de energia na UE, o petróleo e o gás natural. Com o arrefecimento das relações entre Bruxelas e Moscovo os importes têm vindo a diminuir, mas a autonomia energética está ainda por alcançar.
O anúncio de que a Comissão Europeia tinha selecionado um projeto de hidrogénio em Sines como de “interesse comum europeu”, agradou muito ao governo, cuja reputação internacional na área do investimento em energias renováveis muito sofreu com a Operação Influencer. O primeiro ministro António Costa usou mesmo as redes sociais para celebrar a “excelente notícia”, mas pesquisadores e ambientalistas mostram-se mais céticos.
Em causa está se daqui se trata verdadeiramente de “hidrogénio verde”, como o governo português e a Comissão Europeia dizem ser, ou se é de facto “hidrogénio cinzento” com origens fósseis.
O hidrogénio tem vindo a ser promovido mundialmente como a alternativa verde às fontes energéticas mais poluentes
O hidrogénio tem vindo a ser promovido mundialmente como a alternativa verde às fontes energéticas mais poluentes, principalmente aquelas que derivam de combustíveis fósseis. Mas na verdade há vários tipos de hidrogénio e só um está de facto isento de largas emissões de CO2.
O mais comum é o hidrogénio cinzento, que é produto de uma mistura entre gás natural (que é uma fonte de energia fóssil) e vapor. As suas emissões de carbono são altas, podendo chegar aos 13,7 quilos de CO2 ou equivalentes por 1 quilo de hidrogénio.
Derivado do hidrogénio cinzento há o hidrogénio azul, que tem os mesmos métodos de produção mas que existe sob a promessa das empresas que o comercializam de conseguir capturar e armazenar no subsolo as emissões acima descritas. Empresas como a Shell e a petrolífera norueguesa Equinor têm vindo a investir fortemente neste tipo de hidrogénio. Um recente projeto acordado no início do ano entre a Noruega e a Alemanha tem a ambição de ligar os dois países até ao final desta década. Mas segundo dados publicados em novembro pela ONG Global Witness, o projeto queimaria 13,7 mil milhões de metros cúbicos de gás fóssil anualmente – o equivalente às emissões de CO2 de 15,5 milhões de carros.
Para alarme de muitos ativistas, o projeto vai contar com os mesmos fundos europeus que o projeto de hidrogénio em Sines, pondo em causa as credenciais “verdes” do projeto português. “À medida que a crise climática se agrava, o mínimo que deveríamos esperar é que o dinheiro dos contribuintes não fosse desperdiçado em combustíveis fósseis,” disse o porta-voz da Global Witness, Dominic Eagleton, no final do mês passado.
Por último temos o hidrogénio verde, que é feito com eletricidade gerada a partir de fontes renováveis. As emissões de CO2 deste tipo de hidrogénio são quase zero. O projeto em Sines transformaria um gasoduto até hoje usado primordialmente para o transporte de gás natural entre entre Portugal e Espanha, num condutor de hidrogénio que ligaria a cidade alentejana a Marselha, França. O acordo entre os três países foi celebrado há exatamente um ano e obteve imediatamente a aprovação da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que tem vindo a promover o hidrogénio como o grande “divisor de águas” não só no âmbito da sustentabilidade, mas também como o solução para a autonomia energética da UE.
Só a transformação do troço entre Celorico da Beira e Zamora, conhecido por CelZa, custaria 350 milhões de euros. Este valor e a continuação do transporte de gás natural preocupam ambientalistas como João Camargo, da Climáximo, que vê no investimento o possível “(atraso da) descarbonização do país” e desviar da atenção de projetos renováveis.
O potencial existe e os projetos de transformação de gasodutos em meios de transporte de hidrogénio são auspiciosos passos na direção da transição energética. Mas a implantação faseada coloca em dúvida as credenciais verdes dos projetos, até porque, para que o hidrogénio verde se torne uma realidade será preciso vontade política.