Do seu atelier no cais do Olho de Boi, em Almada, o artista Rui Soares Costa vê há mais de dez anos as marés do rio Tejo e deste olhar nasce um trabalho que é uma memória e principalmente uma reflexão sobre a crise climática.
Num trabalho essencialmente conceptual, desde 2020 que Rui Soares Costa tem vindo a mergulhar aço nas águas do Tejo durante períodos de tempo diferentes – entre 2 semanas até 2 anos. O resultado foram as séries «Rising», «Air» e «Tagus», com o registo das oxidações em tons ocres, avermelhados, certos amarelos, laivos de azul e cor metálica.
Cada estrutura de aço, de diversos tamanhos, foi pendurada em diferentes alturas no cais do Olho de Boi, com a ajuda dos braços dos pescadores vizinhos do atelier e com a força de uma antiga grua que ainda ali está a lembrar os tempos em que existia a Companhia Portuguesa de Pesca.

Num trabalho essencialmente conceptual, desde 2020 que Rui Soares Costa tem vindo a mergulhar aço nas águas do Tejo durante períodos de tempo diferentes. (Foto: Lucília Monteiro)
“Na série ‘Rising’, a colocação das peças obedeceu a um critério específico. Os três parâmetros foram a geolocalização (coordenadas de GPS), a altura relativa ao Zero Hidrográfico (plano de referência convencionado, situado abaixo do nível da maré astronómica mais baixa) e o período de tempo em que cada peça ficaria exposta às marés”, explica o artista
“Isto para que, ainda que apenas hipoteticamente, se possa replicar o processo daqui a 20, 50 ou 100 anos e assim ser possível observar o Tejo enquanto co-criador a agir num nível médio das águas do mar mais elevado, consequência das alterações climáticas”, especifica.
Os mesmos parâmetros repetidos no futuro resultarão num processo de oxidação diferente, pois as placas ficarão mais tempo submersas devido à prevista elevação do nível médio das águas do mar e consequentemente do rio Tejo.

Repetido no futuro, o mesmo processo de criação da série «Rising» poderá resultar numa oxidação diferente, devido à prevista elevação do nível médio das águas do mar e do Tejo. (Foto: Tiago Casanova)
“O meu trabalho existe em contexto, existe neste mundo contemporâneo que habitamos. Decorre deste posicionamento situado em relação com mundo que me rodeia”, diz o artista.
“Naturalmente que ao meu trabalho chega a minha reflexão. A ideia é sempre produzir conhecimento e ter uma perspetiva ética e filosófica”, completa Rui Soares Costa, que também tem um trajeto académico com doutoramento e pós-doutoramento em Psicologia Social e Social Neuroscience entre o ISCTE- Instituto Universitário de Lisboa, a Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa e a Princeton University, nos EUA.
Por exemplo, num dos seus trabalhos, o artista utilizou um papel de aguarela super denso (380 gramas) que foi colocado dentro de caixas de madeira e acrílico mergulhadas no Tejo e impregnado pelas partículas em suspensão no rio.

Na exposição Antropoceno & Grande Aceleração colocou um barco de borracha suspenso a 2,5 metros de altura, indicando o cenário mais extremo de subida do nível médio do mar. (Foto: António Jorge Silva)
Na exposição Antropoceno & Grande Aceleração ele incluiu peças com um forte impacto, baseadas nas projeções dos cientistas climáticos para o ano 2100.
“Uma delas é um barco de borracha suspenso a 2,5 metros de altura, indicando o cenário mais extremo de subida do nível médio do mar. A outra é uma peça com cinco momentos diferentes – cinco lâminas de papel vertical, com alturas variadas a representar diferentes cenários de subida do nível médio das águas do mar daqui a sensivelmente 75 anos”.
Parte deste projeto inclui um livro que reunirá contributos da ciência, da filosofia e da arte a abordar o Antropoceno e a Crise Climática, especialmente ligadas ao mar e à subida do nível médio das águas e o potencial reflexo que poderá ter na vida das pessoas numa escala global.